REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E COMPETÊNCIA

STF – INFORMATIVO Nº 573 – FEVEREIRO DE 2010
PLENÁRIO
CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E COMPETÊNCIA - 1

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, interposto contra acórdão da 3ª Turma do TRF da 1ª Região que declarara ser da competência da Justiça Estadual processar e julgar ação penal por crime de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo” (CP, art. 149) — v. Informativo 556. O Min. Cezar Peluso, relator, negou provimento ao recurso. Entendeu que a conduta prevista no art. 149 do CP não basta para deslocar a competência da Justiça Estadual para a Federal, quando não é caso de aplicação do art. 109, IV e VI, da CF. Relativamente à incidência do inciso VI, asseverou que não se desconheceria o precedente da Corte consubstanciado no acórdão do RE 398041/PA (DJE de 19.12.2008). Lembrou que, na ocasião, teria se manifestado no sentido de que, quando aquela norma constitucional se refere a crimes contra a organização do trabalho, está a tratar dos que, típica e essencialmente, dizem respeito a relações de trabalho, e não, aos que, eventualmente, possam ter relações circunstanciais com o trabalho, haja vista que apenas no primeiro caso se justificaria a competência da Justiça Federal, perante o interesse da União no resguardo da específica ordem jurídica concernente ao trabalho. Ressaltou, ademais, não discordar que o cerne desse julgamento estaria em que o princípio da dignidade humana seria indissociável dos princípios que regem a organização do trabalho. Ponderou, contudo, que, embora o princípio da dignidade humana seja a fonte última de todos os outros valores e direitos fundamentais, isso não autorizaria concluir que a violação daquele implique violação de todos estes. Aduziu que, no caso, a norma penal estaria a proteger não a organização do trabalho, não obstante tenha a dignidade humana como um de seus princípios informadores. Enfatizou que o tipo penal da conduta de redução a condição análoga à de escravo não seria tutelar a organização do trabalho como sistema ou ordem, mas evitar que a pessoa humana fosse rebaixada à condição de mercadoria. Nesse sentido, o foco da tutela normativa seria o ser humano considerado em si mesmo, na sua liberdade imanente de sujeito de direito, cuja dignidade não tolera seja reduzido a objeto, e não o interesse estatal no resguardo da organização do trabalho, dentro da qual o ser humano é visto apenas como protagonista de relações que daí se irradiam. Por essa razão, concluiu não ser possível incluir o delito tipificado no art. 149 do CP na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, a qual seria uma noção sistêmica cuja autonomia conceitual, apesar de refletir a preocupação da ordem jurídica com a pessoa do trabalhador, constituiria a objetividade jurídica primeira da norma.
RE 459510/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 4.2.2010. (RE-459510)